Psicadélicos:
Reemergindo das cinzas
A espiritualidade e a consciência são temas explorados desde que a humanidade iniciou o pensamento crítico. As experiências místicas e estados de consciência alterados surgem nos primórdios da humanidade, e têm vindo a ser defendidos como evidentes em algumas pinturas rupestres. Sabemos também que as experiências místicas podem ser provocadas ou intensificadas por drogas psicadélicas, sendo que algumas destas permanecem na humanidade associadas a rituais místicos de comunidades indígenas.
Os estados alterados de consciência numa perspetiva prática são o resultado da interação entre moléculas no nosso cérebro. Assim, é na reunião de dois conceitos tradicionalmente opostos, a ciência e a espiritualidade, que o tema das drogas psicadélicas surge. A dificuldade em definir cientificamente a consciência humana é real! Atendendo a esta dificuldade, tem surgido cada vez mais interesse em verificar o estado de consciência quando este se encontra alterado, nomeadamente através dos psicadélicos. O que nos leva a que para além deste tema renascer das cinzas na comunidade científica, ter vindo a ser demonstrado um potencial terapêutico deste tipo de drogas numa grande variedade de doenças e perturbações.
Contudo, antes de percebermos o potencial terapêutico destas moléculas temos dois conceitos para melhor compreender aquilo que a ciência nos traz: áreas cerebrais e conetividade entre áreas cerebrais. Áreas cerebrais são estruturas no nosso cérebro recrutadas para falar, escrever, ouvir, armazenar memórias, planear eventos, controlar pensamentos e ações. As áreas cerebrais têm de comunicar entre si de forma a que a informação seja devidamente processada, o que se traduz em conetividade. Esta comunicação é crucial para podermos articular todas as nossas diferentes capacidades eficientemente e que tem sido demonstrada como alterada em muitas perturbações (esquizofrenia, depressão, stress pós-traumático, psicopatia, etc.) e alteração de estados de consciência.
As drogas psicadélicas são moléculas que atuam no nosso cérebro e que por isso mesmo têm a capacidade de intervir no seu funcionamento. Uma grande maioria atua ao nível da conetividade cerebral, isto é, aumenta a comunicação entre algumas áreas e diminui noutras, dependendo da sua estrutura bioquímica. Drogas como DMT, LSD, cogumelos mágicos, mescalina e MDMA são quimicamente muito próximas de uma molécula chamada serotonina, conseguindo ligar se ao seu “sistema”. Se imaginarmos o sistema da serotonina como um conjunto de fechaduras espalhados pelo cérebro, estas drogas apesar de não serem a “chave” para qual a fechadura foi desenhada, conseguem ativar a fechadura e provocar a mesma ação. A serotonina é neurotransmissor fundamental para o bom funcionamento do cérebro e que se encontra alterado em diversas perturbações. Está também associado a sensações de felicidade e bem-estar, e esta é a razão pela qual este tipo de drogas é conhecido por tais sensações e sentimentos. Mas não ficamos por aqui. Os psicadélicos são também descritos como potenciadores de experiências místicas, maior introspeção, encontro do eu e sentimento de pertença ao mundo. Tais experiências são explicadas à luz da ciência por um aumento de conetividade entre áreas cerebrais especializadas, que muitas vezes estão diminuídas no caso de algumas doenças e perturbações. O tratamento que é hoje oferecido para além de ter pouco sucesso, é feito muitas vezes recorrendo a químicos com efeitos secundários indesejados. Aquilo que a ciência cada vez mais procura é uma cura onde hajam cada vez menos tomas e que seja realmente eficaz. Torna-se assim evidente o papel importante que os psicadélicos voltam a ter na ciência onde por um lado ajudam na compreensão das estruturas cerebrais que contribuem para a consciência; por outro o seu potencial terapêutico para diversas psicopatologias e doenças.
Artigo de Dr. Horus